Tem coisas na vida que podem ser boas para você, enquanto são péssimas para um amigo. Às vezes, por causa disso, você até se sente mal, fazendo com que essa coisa boa pareça um inimigo. Mas, na verdade, não é. É apenas uma coisa boa que não veio numa boa hora. Uma coisa que poderia vir antes ou… depois. Quase sempre essas coisas não aparecem na hora certa, mas se você não aproveitá-las mesmo nas horas erradas, talvez essa oportunidade não apareça novamente. E seu amigo poderá até ficar feliz, mas você não, e se arrependerá, quem sabe, por toda a sua vida. Por isso não é sempre que você deve desistir de algo por causa de um amigo.
Era assim como eu me sentia.
Era sábado, o dia do encontro com a Shimizu.
Eu sei que eu poderia ficar mais feliz, mas sei que há uma pessoa que não está. Pelo contrário: a Zoe gosta de mim, e entende que eu gosto de outra. Mas isso não impede seu sofrimento. Ela é muito bonita e muito legal também, e não merece isso. Amor não correspondido. Tanta gente que sofre com esse tipo de situação. Apesar de eu não ser uma dessas pessoas, causo o sofrimento de uma, e isso deixa um peso na consciência, porque a pessoa é uma menina que, em pouco tempo, virou minha amiga, e uma das melhores! É uma pessoa que me entende por completo – ou quase. Ela é simplesmente a Zoe.
Assim que me levantei escovei os dentes e desci para o café da manhã.
Já na cozinha, avisei minha mãe:
- Mãe, hoje vou sair, e só volto à noite.
Ela logo estranhou.
- Aonde você vai?
- Na casa de um amigo – minha mãe imediatamente me olhou com malícia. – O que foi mãe?
- Nada. Esse amigo é homem ou mulher?
- O que você quer dizer?
- É algum encontro? – fiquei vermelho. Minha mãe percebia tudo, e isso, de certo modo, me deixava constrangido.
- Um encontro? Com quem? Que ideia maluca!
- Porque você está nervoso, filho? É com a Zoe, não é?
- Não – assim que respondi, ela afiou seu olhar, como se fizesse uma armadilha e eu caísse direitinho.
- Ah, então realmente é um encontro! – exclamou. – Se não é com a Zoe, é com quem então?
Ela ficou pensativa, com uma expressão de confusa, mas logo falei:
- Mãe, eu já disse que não vou a encontro algum! Vou à casa de um amigo novo da minha sala. Só isso!
- Ok – ela parecia ter desistido, mas eu conhecia bem a minha mãe. – Que horas você vai e a que horas volta?
- Vou as cinco e volto antes das onze – respondi.
- Mas por que tão tarde? Você poderia ir durante a tarde.
E agora? O que responder? As palavras saíram automaticamente:
- Ele joga num time de futebol, e o jogo é a tarde – apesar de muito simples, essa resposta derrubou de vez as hipóteses da minha mãe; fiquei aliviado.
Depois do almoço, minha mãe mandou-me ir ao mercado para comprar alguns alimentos para o jantar. Saí exatamente às uma da tarde. Eu não precisava ir naquele mercado lá do centro da cidade porque iria comprar apenas algumas coisas. O mercadinho ficava perto da minha casa, a uns três quarteirões.
Caminhei tranquilamente pelas ruas. Muito pouca movimentação, apenas algumas crianças brincando nas ruas paradas. Passei pelo parque na esperança de ver Zoe, mas nada. Enquanto passava por ali passou um filme pela minha cabeça. Quando a encontrei pela primeira vez e quando nos beijamos. Quando vi Riku, com seu rosto sem expressão. Mais tarde descobri que aquele “sem expressão” significava tristeza. Ele perdera os pais, e vivia sozinho com os tios “imbecis”, como falou. Lembrei-me dos meus primeiros dias na cidade, quando eu sentava num dos bancos e ficava me lembrando dos meus amigos de Okinawa. Quando eu me sentia só.
Mas, graças a Deus, isso acabou. Fiz novos amigos. Natsuno, Shimizu, Zoe, Yuuki e Joe apareceram para me salvar. Encontrei uma luz no fim do túnel, e descobri que a amizade pode renascer muitos mortos. E eu era um.
Finalmente cheguei ao mercadinho. Comprei o que tinha que comprar e fui embora. Depois decidi ir ao parque.
Era três e alguma coisa.
Sentei no mesmo banco que me sentara das outras vezes observando vários rapazes jogando bola. De vista já conhecia todos. O sol iluminava tudo, mas não estava muito quente. Uma brisa refrescava o clima. Aliás, era primavera.
- Posso me sentar também? – meu coração disparou; era Zoe.
A olhei, e vi a mesma menina linda e simpática de sempre. Zoe era sorridente. Então, como de costume, sorrimos um para o outro.
- Claro – respondi; ela se sentou.
- Faz tempo que não venho aqui – declarou ela.
- Eu também.
- Percebo que você está mais feliz.
Olhei para ela.
- O que quer dizer?
- Acho que a sua solidão passou – Zoe sorriu.
Assenti.
- E a sua? – perguntei.
- Não me sinto só – ela respondeu naturalmente.
- Não se sente só? – estranhei – Uma vez você me disse que sempre quando se sentia só vinha ao parque.
- Tenho você e a minha mãe agora – essas palavras me atingiram profundamente. Enquanto eu tinha vários amigos, Zoe só tinha um. E mesmo assim era sempre a Zoe sorridente. Isso que a fazia ser maravilhosa. Além de ser uma grande amiga, era única.
- Vou corresponder ao máximo – respondi automaticamente; ela olhou para mim e abriu um lindo sorriso.
- Fico feliz por saber disso.
Quando eu estava perto da Zoe eu me sentia diferente… Me sentia melhor. Suas palavras me faziam refletir sobre a vida, e perceber que a felicidade pode estar em qualquer lugar. Zoe era um exemplo disso.
- Você é incrível – disse a ela.
- Hã? – ela perguntou; a olhei, e vi que estava vermelha. – Você também – ela disse.
Ficamos mais um bom tempo ali sentados, conversando sobre a escola e o nosso cotidiano, até chegar a hora de eu ir embora. Me despedi da Zoe e fui.
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